“Eu grito: exigimos justiça!”
Sábado, 12 de julho de 1941: o bispo é comunicado da ocupação das casas dos jesuítas que se encontravam na Königstrasse e em Haus Sentmaring. Com o avanço da guerra, os chefes supremos do partido intensificaram o seqüestro de bens das confissões cristãs, e, bem nos dias em que Münster sofrera graves danos em razão dos bombardeios, a Gestapo começou a deportar sistematicamente religiosos e a ocupar e confiscar conventos. Até os conventos das irmãs de clausura foram seqüestrados. Os religiosos e as religiosas, insultados e expulsos. O bispo agiu imediatamente. Enfrentou pessoalmente os homens da Gestapo, dizendo a eles que estavam exercendo “um papel infame e vergonhoso”, e chamou-os com muita clareza e franqueza de “ladrões e bandoleiros”. Considerou, então, que chegara o momento de se expressar publicamente. Estava pronto a assumir tudo sobre si, por Deus e pela Igreja, mesmo que isso pudesse custar sua vida. No dia seguinte, depois de preparar a homilia com cuidado, subiu ao púlpito decidido a chamar as coisas pelo nome. “Nenhum de nós está seguro. Mesmo que em sua consciência seja o cidadão mais honesto, nenhum de nós está seguro de não ser um dia levado de sua residência, espoliado de sua liberdade, remetido aos campos de concentração da polícia secreta de Estado. Estou consciente de que isso pode acontecer hoje até mesmo a mim...”. E não hesitou em desmascarar diante de todos as vis intenções da Gestapo, considerando-a responsável por todas as violações da mais elementar justiça social: “O comportamento da Gestapo traz graves prejuízos a partes muito grandes da população alemã. [...] Em nome do povo alemão honesto, em nome da majestade da justiça, no interesse da paz, [...] eu elevo minha voz na qualidade de homem alemão, de cidadão honrado, de ministro da religião católica, de bispo católico, e grito: exigimos justiça!”. Com força e segurança, as frases saíam como trovões da sua boca. Denunciou, com ardor indômito, um por um os “atos infames” e os abusos de que tomou conhecimento. “Os homens e as mulheres”, lembra uma testemunha, “puseram-se de pé, ouviram-se vozes de consenso e até de horror e de indignação, coisa que geralmente é impensável aqui entre nós, na igreja. Vi pessoas romperem em lágrimas”.
O efeito desse primeiro sermão foi avassalador. No segundo sermão, em 20 de julho, a igreja estava mais que lotada. As pessoas vinham de longe para ouvi-lo. Von Galen, mais uma vez, abriu os olhos para a loucura do projeto buscado pelo poder, que levaria o país à miséria e à ruína, e trovejou outra vez “contra a iníqua, intolerável ação que aprisiona os sacerdotes, expulsa como animais nossos religiosos e nossas queridas irmãs [...], que persegue homens e mulheres inocentes...”. Declara vãs todas as iniciativas e súplicas lançadas em favor de tantos cidadãos injustamente ofendidos: “Hoje nós vemos e experimentamos claramente o que está por trás da nova doutrina que há anos nos é imposta: ódio! Ódio profundo, como um abismo, para com o cristianismo, para com o gênero humano...”. Mas foi o terceiro sermão, de 3 de agosto, sobre o quinto mandamento, que, pela virulência das palavras, foi julgado pelo Ministério da Propaganda “o ataque frontal mais forte desferido contra o nazismo em todos os anos de sua existência”. O bispo tomara conhecimento pessoalmente do plano de extermínio dos deficientes, dos velhos, dos doentes mentais e das crianças paralíticas nos sanatórios da Vestefália. O plano era mantido em segredo pelos nazistas. Comenta uma testemunha: “Só quem experimentou o tempo da ditadura nazista pode medir o significado das seguintes palavras que um bispo ousou pronunciar: ‘Hoje são assassinados, barbaramente assassinados inocentes indefesos; pessoas de outras raças e de proveniências diferentes também são suprimidas. [...] Estamos diante de uma loucura homicida sem igual. [...] Com gente como essa, com esses assassinos que pisam orgulhosos sobre as nossas vidas, eu não posso mais ter comunhão de povo!’. E aplicava às autoridades do nazismo as palavras do apóstolo Paulo: ‘O Deus deles é o ventre’”.
Os sermões tiveram enorme difusão e logo deram a volta ao mundo. Foram impressos e lidos em toda parte. Chegaram até aos soldados no front. Basta dizer que as pessoas cobiçavam a tal ponto possuí-los que os sermões se apresentavam como moeda de troca por mercadorias. O povo alemão, cristão e não cristão, os ouvia com enorme gratidão. Pela documentação encontrada entre os destroços de Berlim, vê-se que no inverno de 1941-1942 muitos judeus foram presos pela Gestapo pela difusão dos “sermões subversivos” do bispo de Münster. Por esses discursos, todos pensavam, inclusive o bispo, que dentro em pouco ele viria a ser justiçado. O chefe das organizações juvenis da SS publicou esta declaração: “Eu o chamo o porco C. A., ou seja, Clemens August. Esse alto traidor e traidor do País, esse porco está livre e usa a liberdade para falar contra o Führer. Deve ser enforcado”. No entanto, isso não aconteceu.
O “caso Von Galen” foi minuciosamente discutido pelo Ministério da Propaganda e na Chancelaria do partido. Até o “delfim” de Hitler, Martin Bormann, queria enforcá-lo. Mas o ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, aconselhou o Führer que adiasse sua execução, por cálculos de oportunidade política. A tática do regime era não fazer dele um mártir, e matá-lo significaria perder o consenso de parte da população, particularmente dos soldados no front. Os nacionalistas adiavam, assim, “o acerto de contas” com Von Galen para depois da “vitória final”. Só então, declarou Hitler em 4 de julho de 1942, se acertariam as contas com ele, “até o último centavo”.
O irmão de Von Galen, conde Franz, dá este testemunho: “Mesmo que não tenha sido preso, meu irmão continuava a ser exposto aos ataques, aos abusos e às injúrias dos inimigos da Igreja. Conservou, apesar disso, sua postura ereta e continuou a anunciar a verdade intrepidamente. Um dia, eu lhe perguntei o que tínhamos de fazer caso ele fosse preso. ‘Nada’, foi sua resposta. ‘São Paulo também ficou preso por muitos anos e o Senhor não tinha medo de que os pagãos não se convertessem por algum tempo.’ Ele me dizia que as forças diabólicas haviam entrado em ação, mas lembrava também as palavras confortadoras do Senhor: ‘As portas do inferno não prevalecerão sobre a Igreja’” .
Em outubro de 1956 foi aberto o processo de canonização de Clement August von Galen. Em 20 de dezembro do ano passado, foi promulgado o decreto da heroicidade de suas virtudes, e a causa avança a passos largos para a beatificação.
“A luta que o bispo Von Galen travou contra aqueles que considerava verdadeiros inimigos da Igreja”, afirma o dominicano alemão Ambrogio Eszer, relator da causa de canonização de Von Galen, “demonstra univocamente que o servo de Deus considerava a defesa da fé como seu mais alto objetivo e dever. Diante do espírito do regime totalitário da época, o bispo Von Galen mostrou uma fortaleza heróica, mas também uma prudência heróica”.
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