
O New York Times definiu o bispo Von Galen “o adversário mais obstinado do programa nacional-socialista anticristão”. Sua coragem e seus duros sermões contra Hitler, pronunciados do púlpito da catedral de Münster, deram a volta ao mundo. E Pio XII escreveu a ele para manifestar seu pleno apoio e sua gratidão
Por Stefania Falasca, em http://www.30giorni.it/br/articolo.asp?id=4220
“Os três sermões do bispo Von Galen proporcionam a nós também, na via dolorosa que percorremos ao lado dos católicos alemães, um conforto e uma satisfação que há muito tempo não experimentávamos. O bispo escolheu bem o momento para dar um passo à frente com tanta coragem”. Com essas palavras de gratidão e plena aprovação, Pio XII, escrevendo em 30 de setembro de 1941 ao bispo de Berlim, Konrad von Preysing, comentava o ataque frontal desferido contra o regime de Hitler do púlpito da catedral de Münster naquele verão de 1941 por Clemens August von Galen. E não apenas isso. Pio XII concluía a carta ao prelado de Berlim manifestando todo o seu apoio: “Nem é preciso, portanto, que asseguremos expressamente a ti e a teus confrades que bispos que, como o bispo Von Galen, se manifestarem com tamanha coragem e irrepreensibilidade encontrarão sempre apoio em nós”. A carta do Papa recebeu resposta imediata do bispo de Berlim. Em 17 de outubro, Von Preysing pegou papel e caneta e não hesitou em responder a Pio XII desta forma: “Enche-me de verdadeira alegria o fato de que a ação do bispo Von Galen tenha servido de consolo para o coração de Vossa Santidade”.
Mas, afinal, qual foi a ação desse bispo ao qual Pio XII envia seu encorajamento e seus aplausos? Quem era Clemens August von Galen? O New York Times, em 1942, em plena guerra, publicou uma série de artigos sobre homens de Igreja que se opunham a Hitler. Em 8 de junho daquele ano, o jornal americano abria a seção intitulada Churchmen who defy Hitler com um artigo sobre o bispo Von Galen, definindo-o assim: “O adversário mais obstinado do programa nacional-socialista anticristão”.
O primeiro biógrafo de Von Galen, o sacerdote alemão Heinrich Portmann, que foi seu secretário particular de 1938 a 1946, chamou a atenção para uma coincidência: “Von Galen governou como bispo por um período de tempo igual ao de Adolf Hitler. Foi consagrado bispo nove meses depois de Hitler subir ao poder e morreu cerca de nove meses depois da morte do Führer”.
Nascido em 1878 no castelo de Dinklage, nos arredores de Münster, Clemens August, conde de Galen, filho de uma família nobre extremamente católica da Vestefália, antes de ser consagrado bispo por Pio XI passou vinte e três anos de seu sacerdócio numa paróquia de Berlim. Mas quando, em 5 de setembro de 1933, Pio XI o nomeou sucessor da cátedra de São Ludgero, os capacetes de aço com as cruzes gancheadas do Terceiro Reich presentes à cerimônia solene de sua posse ainda não imaginavam quanto pano para manga aquele prelado de origem nobre e arraigados sentimentos patrióticos daria a eles. Von Galen foi o primeiro bispo eleito depois da Concordata do Reich, assinada com a Santa Sé em 20 de julho de 1933, e foi um dos primeiros bispos alemães não apenas a intuir e desmascarar com extrema lucidez e firmeza o perigo da ideologia neopagã do nazismo, mas também a denunciar com força e publicamente as violências e as barbáries do terror nazista.
A condenação do “catecismo do sangue”
Nec laudibus nec timor. Esse foi o mote episcopal escolhido pelo imponente prelado alemão. E a intrepidez daquele nec timore logo se demonstrou.
Já dois meses depois de sua consagração, em novembro de 1933, ficou sabendo que o pacto que acabara de ser firmado com o governo não era respeitado e protestou energicamente contra as violações da Concordata. E quando, no início de 1934, Alfred Rosenberg, o principal teórico do nacional-socialismo, nomeado substituto do Führer para a direção espiritual e ideológica do partido, fez com que se difundisse maciçamente seu Mito do século XX, Von Galen, em sua primeira carta pastoral diocesana da Páscoa de 1934, condenou sem reservas a Weltanschauung neopagã do nazismo, evidenciando claramente o caráter religioso dessa ideologia: “Uma nova e nefasta doutrina totalitária que põe a raça acima da moralidade, põe o sangue acima da lei, [...] repudia a revelação, visa a destruir os fundamentos do cristianismo [...]. É um engano religioso. Às vezes esse novo paganismo se esconde até mesmo sob nomes cristãos [...]. Esse ataque anticristão que estamos experimentando em nossos dias supera, enquanto violência destruidora, a todos os outros de que temos conhecimento desde os tempos mais distantes”. A carta termina com uma admoestação aos fiéis para que não se deixem seduzir por semelhante “veneno das consciências” e convida os pais cristãos a velarem sobre seus filhos. A mensagem pascal caiu como uma bomba e teve um efeito libertador sobre o clero e sobre o povo, dando origem a um eco não apenas na Alemanha mas também no exterior.
Na Páscoa de 1935, outro contragolpe. A teoria racial e o “catecismo do sangue” de Rosemberg estavam de novo na mira do bispo. Von Galen, não podendo se calar perante aberrações tão perigosas para os fiéis, manda anexar ao boletim diocesano um estudo contra O mito do século XX e trabalha para desfavorecer sua difusão. A resposta do regime não se fez esperar. O chefe da Gestapo, Hermann Göring, envia uma circular na qual pede a exclusão do clero do ensino nas escolas. Rosemberg despenca em Münster e pronuncia palavras de fogo contra o bispo, na tentativa de incitar o povo contra ele e liquidá-lo. Mas o povo da Vestefália, na maioria católico, forma uma corrente ao redor de seu bispo; em 8 de julho, as manifestações de solidariedade culminam numa procissão maciça dos fiéis. Os acontecimentos de Münster cruzam de novo as fronteiras nacionais e a imprensa estrangeira registra a batalha louvando o comportamento corajoso do bispo alemão: “Se os católicos são acusados de se ocuparem de política, na realidade é o nacional-socialismo que se ocupa de religião”, comenta laconicamente, de Paris, o jornal Le Figaro.
Von Galen não era certamente o único prelado alemão a reagir claramente contra a doutrina do nazismo; já a partir de 1932 os bispos haviam se expressado também colegialmente. Tornaram-se famosos as sermões de 1933 do cardeal Michael von Faulhaber, arcebispo de Munique. Mas, com a ascensão de Hitler ao poder, a Igreja alemã viu-se a enfrentar um regime que, cada vez mais insidiosa e descaradamente, se atribuía o predomínio total no campo religioso e eclesiástico, anulando os direitos civis e humanos. Assim, em poucos anos a Igreja teve de arcar com uma violenta perseguição. Perseguição que se acirrou depois da publicação, solicitada pelos próprios bispos alemães, da encíclica pontifícia Mit Brennender Sorge, em 1937. A encíclica de Pio XI, “uma das mais severas condenações de um regime nacional que o Vaticano já havia pronunciado”, foi declarada pelas autoridades nazistas “um ato de alta traição contra o Estado”. Prisões e seqüestros se seguiram a sua difusão. Von Galen, em sua diocese, mandou imprimir 120 mil cópias do texto. Os atos intimidatórios dirigidos contra a sua pessoa aumentaram, mas ao mesmo tempo cresceu o seu prestígio e a grande autoridade moral que fazia dele um ponto de referência reconhecido por todos, até pelos judeus. E, às vésperas da guerra, o bispo de Münster, por ter “atacado fortemente as bases e os efeitos do nacional-socialismo”, era registrado na Chancelaria do Reich como um dos mais perigosos adversários do regime.
Mas foi com os sermões de meados de 1941 que o bispo se tornou famoso em todo o mundo. Ganhando o apelido de “Leão de Münster”.
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