terça-feira, 1 de junho de 2010

O Leão de Münster - 4

E Pio XII escreveu: “Você tem todo o meu apoio”

Mas isso não é tudo. Existem também outros documentos que mostram e assinalam com clareza a relação de estima e sintonia entre o Pio XII e o “Leão de Münster”: a correspondência entre eles. Consta nos documentos do Arquivo Secreto Vaticano que Pio XII enviou cartas diretamente a Von Galen.

Quatro dessas cartas escritas pelo Papa em língua alemã estão contidas no segundo volume dos Actes et documents du Saint Siège relatifs à la Seconde guerre mundiale, a obra monumental em 11 volumes e 12 tomos organizada por estudiosos jesuítas que reúne a documentação da Secretaria de Estado e do Arquivo Secreto Vaticano concernentes àqueles anos. Obra que, como se sabe, foi desejada por Paulo VI, quando, no início da década de 1960, fez com que se abrisse antecipadamente a consulta aos Arquivos Vaticanos depois do crescimento da lenda negra que se construiu em torno da figura de seu predecessor. As cartas enviadas ao bispo de Münster trazem estas datas: 12 de junho de 1940; 16 de fevereiro de 1941; 24 de fevereiro de 1943; 26 de março de 1944.

Nessa correspondência, Pio XII sublinha mais de uma vez sua gratidão, a convergência de visões e o apreço pelo que realizara o prelado alemão. Na carta de 24 de fevereiro de 1943, por exemplo, ao exprimir-lhe sua viva “consolação” todas as vezes que chegava “a seu conhecimento uma palavra clara e corajosa da parte de um bispo”, insiste também em assegurar-lhe quanto ao fato de que os bispos que agem com “intervenções resolutas e corajosas em favor da verdade e do direito e contra a injustiça não trazem dano à reputação de seu povo no exterior”, mas, pelo contrário, “são um benefício para ele”, mesmo que alguém venha a acusá-los do contrário. Além disso, Pio XII agradece expressamente a Von Galen por ter “preparado”, com suas cartas pastorais, o terreno para sua Mensagem de Natal de 24 de dezembro de 1942. Mensagem que agradou ao New York Times pelas “palavras claras em defesa dos judeus” e por ter “denunciado ao mundo o massacre de tantos ino­centes”; e cuja divulgação, na Alemanha, foi considerada pelas altas patentes do Reich “um crime contra a segurança do Estado, passível de pena de morte”.

A importância dessas cartas é tanto mais decisiva quanto mais se considera o contexto em que estão compreendidas. As cartas a Von Galen fazem parte de um corpus de 124 missivas enviadas por Pio XII aos prelados alemães ao longo dos anos de 1939 a 1944. O motivo dessa correspondência foi expresso pelo próprio Pio XII aos quatro cardeais de língua alemã que foram a Roma em março de 1939 por ocasião do conclave que o elegeu papa. Depois do conclave, os cardeais prolongaram sua estada na Cidade Eterna para examinar com o novo Pontífice a situação da Igreja na Alemanha, situação que o Papa havia acompanhado de perto, primeiramente como núncio e depois como secretário de Estado. A eles, portanto, diz assim: “A questão alemã, para mim, é a mais importante. Eu me reservo tratar dela pessoalmente”. Assim, Pacelli, abrindo uma exceção, convidou os cardeais, e, por meio deles, o episcopado, a escrever-lhe diretamente. Em sua primeira carta ao episcopado alemão, de 20 de julho de 1939, Pio XII, com espírito comovido, lembrou os anos que passou na Alemanha e as relações que ainda conservava lá: “...pois isso nos permitiu ter hoje, da situação, dos sofrimentos, das tarefas, das necessidades dos católicos na Alemanha aquele conhecimento aprofundado que só pode nascer da experiência pessoal direta e prolongada ao longo de muitos anos”. Com o início da guerra, essas relações diretas iriam se tornar ainda mais preciosas. Convidando-os a escrever-lhe, o Papa lhes mostrava que a nunciatura de Berlim possuía uma via segura de correspondência com Roma. A correspondência, que foi mantida até o último ano da guerra, mostra como os bispos se serviram amplamente dessa possibilidade que lhes era oferecida extraordinariamente de se comunicar com o chefe da Igreja, enviando regularmente ao Papa todas as informações possíveis, anexando a elas as cópias dos documentos mais importantes.

As Lettres de Pie XII aux évêques allemands, documentos conhecidos dos estudiosos, continuam, no entanto, ainda desconhecidos da maioria. Mesmo assim, as declarações contidas nessas cartas são de importância capital para compreender não apenas a resistência católica na Alemanha, o estado de perseguição sob o nazismo e a posição do episcopado alemão, com muita freqüência considerado, erroneamente, filonazista, mas também, como explica o jesuíta padre Pierre Blet em seu Pio XII e la Seconda guerra mondiale negli Archivi vaticani, “constituem um documento excepcional do pensamento de Pio XII, de suas intenções e de sua obra”. Intenções e pensamento comuns àquele que, sem temor, tinha ousado gritar na cara dos nazistas: “Não posso ter comunhão de povo com assassinos que justificam a morte de inocentes. [...] O Deus de vocês é o ventre”.

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